Por que devemos evitar ultraprocessados — evidência atual e orientações práticas
5 dezembro, 2025
O que são ultraprocessados
Alimentos ultraprocessados são produtos industriais criados a partir de ingredientes refinados, modificados ou artificiais — e não de comida real. Caracterizam-se por incluir farinhas refinadas, óleos vegetais altamente processados, açúcares, gorduras saturadas ou trans, além de aditivos como conservantes, corantes, emulsificantes, aromatizantes e estabilizantes. Por causa da sua formulação, eles não se assemelham aos alimentos originais em nutrientes ou estrutura.
Exemplos típicos: salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, sobremesas prontas, refeições congeladas, refrigerantes, embutidos, pães industriais à base de farinha branca e outros preparados ultraprocessados.
Evidências científicas: o que diz a The Lancet
Em 2025, a NUPENS — por meio de sua colaboração com a Série The Lancet sobre Alimentos Ultraprocessados e Saúde Humana — divulgou um conjunto robusto de artigos que analisam os impactos desse tipo de alimento na saúde, na economia e na sustentabilidade global.
A publicação conclui que o consumo frequente de ultraprocessados está associado a diversos efeitos deleterios para a saúde, tais como:
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maior risco de distúrbios digestivos e disbiose intestinal
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aumento da permeabilidade intestinal (intestino permeável) e inflamação crônica
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maior incidência de obesidade, síndrome metabólica, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares
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impacto negativo sobre saúde geral, qualidade de vida e bem-estar
Além disso, os autores apontam a necessidade de políticas públicas para reduzir a produção, o marketing e o consumo desses alimentos, devido ao seu potencial de sobrecarga para o sistema de saúde, para o meio ambiente e para a segurança nutricional.
Em termos práticos: para quem já apresenta sensibilidade intestinal, fermentação exagerada, disbiose ou permeabilidade — como muitos pacientes em sua clínica — o consumo de ultraprocessados torna-se especialmente prejudicial e contra-indicada.
"O alto consumo de ultraprocessados está associado à pior qualidade da dieta, maior risco de doenças crônicas e profunda deterioração da saúde humana."
Segundo a série da Lancet, o impacto dos ultraprocessados s vai muito além de nutrientes críticos (açúcar, sódio e gordura). Ele envolve:
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degradação da matriz alimentar
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hiperpalatabilidade intencional
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textura, aroma e sensações projetadas para gerar consumo exagerado
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aditivos com impacto acumulado na saúde intestinal e metabólica
Além disso, mesmo versões “reformuladas” — isto é, com menos açúcar, sal ou gordura — continuam sendo ultraprocessadas e mantêm os mesmos mecanismos de dano. Reformular nutrientes, sem tocar na lógica industrial do produto, não resolve o problema. Pelo contrário, muitas vezes aumenta outros aditivos e substitutos. Portanto, cuidado com produtos que parecem saudáveis mas nem sempre podem ser como: barrinhas proteicas, bebidas proteicas, whey protein....
Por que ultraprocessados prejudicam o intestino e a saúde
Os problemas dos ultraprocessados vão além do excesso de calorias e pobre valor nutricional. Alguns mecanismos tornam seu efeito particularmente nocivo:
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Sobrecarga fermentativa: ingredientes refinados e aditivos favorecem crescimento exagerado de bactérias e leveduras oportunistas, levando a gases, distensão, inflamação e desequilíbrio da microbiota
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Alteração da barreira intestinal: aditivos como emulsificantes e estabilizantes interferem na integridade da mucosa, aumentando permeabilidade intestinal e favorecendo “intestino permeável”
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Desequilíbrio metabólico: excesso de açúcares, gorduras saturadas, sódio e aditivos promove inflamação, sobrecarga hepática, alterações metabólicas e risco de doenças crônicas
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Estímulo ao consumo compulsivo: esses alimentos são formulados para serem hiper-palatáveis (sabor, crocância, sal, gordura e açúcar) — ativam circuitos de prazer no cérebro semelhante a substâncias de recompensa, gerando desejo, compulsão e consumo exagerado
Esse padrão torna difícil a manutenção da saúde intestinal e metabólica, especialmente em quem já apresenta sensibilidade digestiva.
A Lancet é clara: o problema é sistêmico, e a solução exige políticas públicas
A Série afirma que campanhas educativas e recomendações individuais são insuficientes. Embora possam ajudar, não chegam à raiz do problema.
“As políticas devem atuar diretamente nos fatores do sistema alimentar que impulsionam a produção, o marketing e o consumo dos alimentos ultraprocessados.”
Isso inclui:
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controle regulatório sobre a composição dos produtos
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rotulagens mais rígidas
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restrições de marketing (especialmente para crianças)
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impostos seletivos
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limites legais para aditivos como emulsificantes, edulcorantes e corantes
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regulação sobre cadeias produtivas
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fiscalização sobre grandes corporações que moldam consumo e política alimentar
A Série destaca que a responsabilidade não é do consumidor — é do sistema, das empresas e da ausência de políticas.
“A responsabilidade pelo predomínio de padrões alimentares centrados em ultraprocessados recai menos sobre os consumidores, e mais sobre as empresas de alimentos, que devem ser responsabilizadas.”
Por isso, embora mudanças individuais sejam importantes, é incoerente responsabilizar indivíduos quando ambientes e sistemas alimentares pressionam a escolha pelo ultraprocessado: rapidez, baixo custo, marketing invasivo, escassez de tempo e reorganização social do trabalho.
Enquanto as políticas não chegam, como agir individualmente
Até que tais políticas avancem no Brasil, precisamos atuar no nível pessoal e clínico, com estratégias acessíveis e educativas.
Aqui abaixo estão orientações simples e práticas para reduzir ultraprocessados na rotina.
Como identificar ultraprocessados de forma fácil
Para não depender apenas da embalagem ou de classificações abstratas, convém ensinar a identificar ultraprocessados por sinais práticos no rótulo:
Sinais de alerta de que é ultraprocessado:
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lista de ingredientes longa e complexa
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presença de aditivos como: corantes artificiais (ex: tartrazina, caramelo, corantes “E-”), conservantes (benzoato, sorbato, nitrito, nitrato, BHT, BHA), estabilizantes e emulsificantes (lecitinas, mono/diglicerídeos, polissorbatos, carragenina, gomas, etc.)
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gorduras saturadas ou hidrogenadas, óleos refinados ou hidrogenados
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açúcares adicionados em várias formas: xarope de milho, dextrose, maltodextrina, açúcar invertido etc.
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alto teor de sódio
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afirmações de “sabores artificiais”, “conservantes” ou “aromas idênticos aos naturais”
Se o alimento apresentar vários desses elementos, dificilmente será compatível com uma dieta de reequilíbrio intestinal e de saúde
Mensagem da Nutri
“Ultraprocessados não são apenas uma escolha menos saudável — para quem vive com desconfortos intestinais, fermentação ou sensibilidade, eles podem comprometer toda recuperação. Eles chegam com corantes, conservantes, emulsificantes, excesso de sal, açúcar e gordura — e acabam alimentando um ciclo de inflamação, desequilíbrio microbiano, sintomas digestivos e aumento do risco de doenças crônicas. Por isso, neste momento de reequilíbrio, o ideal é trocar industrializados por comida de verdade, simples, natural e nutritiva.”
Maysa Simões
Nutricionista
CRN-3 - 91088